Os eurogames estão em declínio? 27 de setembro de 2018

Todo ano 3500 jogos são lançados no mundo, os financiamentos no Kickstarter batem um recorde atrás do outro, cada dia mais gente descobre e se encanta pelos jogos modernos … e no entanto, a pergunta do título vem me assombrando há algum tempo. Tenho a impressão que a fórmula do jogo euro tradicional está se esgotando.

Dizem que a última nova mecânica inventada foi o deck-building, nos idos de 2008. Mas logo antes foram várias outras criadas em espaços pequenos de tempo: worker placement, pontos de ação, maioria de áreas, ação simultânea, entre outras.

Agora, estamos num vazio de 10 anos sem nenhuma nova mecânica criada, e é de mecânica que o euro se alimenta. Por isso vejo uma certa fadiga no jogador euro. Ele começa a achar que não há grande novidade nos lançamentos, nada que justifique a compra de um jogo recém-lançado. Joga para conhecer mas não vê motivo para repetir.

O mercado sente isso e começa a tentar conquistá-lo de outras formas.

A principal delas são jogos com foco narrativo. Os legacies são o maior exemplo: Pandemic Legacy, Gloomheaven, Charterstone. A justificativa da compra do jogo deixa de ser a experiência cerebral, de desvendar e otimizar os mecanismos do jogo, e passa a ser a curiosidade narrativa: qual será o próximo evento, a próxima revelação.

 Risk Legacy, de 2011, o primeiro jogo no estilo

Outra forma são os jogos-puzzle. São jogos que só podem ser jogados uma vez. Alguns emulam Escape Rooms, como o Exit, outros são jogos investigativos, como Detective e Time Stories, outros ainda resgatam a fórmula do livro-jogo.

Esses dois tipos de jogos tiraram boa parte dos holofotes dos euros em Essen e na GenCon. E é justo, pois é neles que está a inovação, enquanto os euros repetem e recombinam as mesmas mecânicas há 10 anos.

Quem segue apostando na fórmula euro usa outros recursos para chamar nossa atenção, e nenhum deles me parece benéfico a longo prazo para o estilo.

Vários entram na corrida armamentista dos componentes. Até poucos anos atrás, todo euro era com cubinho de madeira e meeple no formato padrão. Hoje os recursos têm formatos diferentes, os meeples são personalizados e qualquer jogo menos bem produzido imediatamente nos parece genérico. Alguns, como Everdell e Sçythe, já deram um passo além e começam a usar recursos ainda mais realistas, com material, textura e pintura especiais. Sem falar dos euros com miniaturas. Se os jogos continuarem a seguir esse caminho para se diferenciar, vão ficar cada vez mais caros e menos acessíveis.

Recursos superproduzidos do Scythe

Um número ainda maior de euros tenta se diferenciar pela complexidade. Feudum, Agra e os jogos do Vital Lacerda são alguns dos que me vêm à mente. Nos anos 90, os euros eram identificados como jogos para toda a família. Simples de entender, elegantes nas regras mas ainda assim com profundidade. Na década seguinte, o sucesso de Caylus e Puerto Rico, jogos bem mais complexos que seus antecessores, talvez tenha sido o responsável por uma escalada que tornou a complexidade um chamariz por si só.

É fácil de entender: jogadores euro adoram desvendar e otimizar os sistemas dos jogos. Aumentar a complexidade dos sistemas significa aumentar o desafio, o que é bom. Mas se você só aumenta a escala sem mudar o tipo de desafio, não faz cosquinha nova na cabeça do jogador: ele está fazendo a mesma coisa que em jogos mais simples, só que numa proporção maior. Acaba sendo como montar um quebra-cabeças de 1000 peças depois de fazer um de 500 – mais difícil, mais demorado, talvez até mais gratificante, mas a experiência é similar.

O tabuleiro hipercomplexo de Agra

E essa super abundância de experiências similares, com componentes superproduzidos e complexidade exacerbada é que, na minha opinião, começa a confinar os eurogames a um nicho cada vez mais segmentado dentro do já pequeno nicho dos jogos de tabuleiro.

Dar a volta por cima depende de novidade mecânica. O ecossistema euro, ao contrário do ameritrash, depende demais de inovação, e cambaleia a cada euro genérico colocado no mercado.

2 thoughts on “Os eurogames estão em declínio?”

    Concordo que está cada vez mais raro ver uma mecânica genuinamente nova; mas discordo que os euros estejam em declínio ou que necessitam disso para prosperar. Do topo da cabeça me vem novidades que, apesar de não categorizados como mecânicas, são elementos nunca antes vistos. Por exemplo, o processo de dedução do alchemists, o uso de aplicativos nos jogos, o organograma de RH do Food chain magnate, a alocação dinâmica de trabalhadores do Tzolkin, bag building do Orléans… podem ser enquadrados em manejo de cartas, alocação de trabalhadores, uma variação do deck building com tiles… mas são absolutamente frescos, e estão a todo vapor gerando euforia com o hobby e entusiasmo para a criação de novos jogos.

    É verdade, a categorização de mecânicas do BGG é bem questionável. Então não necessariamente não houve mecânicas novas de lá pra cá. Mas ainda assim, eu sinto que já passamos do apogeu. Não que não haja mais nenhuma inovação, tanto que os jogos que vc cita são bons exemplos. Mas acho que proporcionalmente há menos do que na década de 00, que trouxe novidades maiores, tipo pontos de ação, seleção de papéis e alocação de trabalhadores. Acho que nessa década o foco foi mais em aprimoramento do que em inovação: reduzir downtime e AP, aumentar variedade/rejogabilidade, tornar o fluxo de jogo mais fluido, etc.

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