Contratos para game designers 12 de maio de 2019

Contratos são documentos que vão reger a relação entre você, seu jogo e sua editora. Não sou advogado, mas já celebrei 5 contratos com editoras, e nunca achei nenhum material em português sobre isso. Por isso achei que cabia um texto para alertar sobre os principais pontos a que se deve prestar atenção.

Se uma editora tiver interesse num jogo seu, ela deve lhe oferecer um contrato. Não deixe sua relação com a editora se estender muito sem um. Não adianta ficar meses discutindo mudanças se depois vocês não chegarem a um acordo sobre a cessão de direitos.

O contrato vai estabelecer as condições para a cessão dos seus direitos sobre o jogo para que a editora os explore comercialmente. Para mim, as 5 informações mais importantes nele são:

1. Controle criativo

Provavelmente seu contrato vai dizer que a editora tem a última palavra sobre mudanças no jogo. Isso dá a ela o controle criativo do jogo: direito de fazer qualquer alteração que julgue necessária: regras, temática, componentes, tudo. Isso é comum. Nenhuma editora vai querer assinar um jogo sem isso.

Você precisa estar preparados para abrir mão do controle criativo do jogo ao assinar um contrato. As mudanças são para fazer do jogo um produto melhor: barateamento dos custos de produção, adequação ao público-alvo, simplificação das regras.

Dos 5 jogos com contrato que eu tenho, 3 mudaram de tema. Em todos, acho que a decisão foi acertada.

2. Prazo

Define por quanto tempo a editora vai poder explorar os direitos do jogo, antes que eles voltem para você. O prazo mais comum é de 5 anos. Muitas vezes há uma cláusula de renovação automática por mais um período, caso ninguém se manifeste.

Um contrato sem prazo dá os direitos do jogo à editora por tempo indeterminado, o que é uma péssima ideia. Exija um prazo no contrato, caso não haja.

3. Remuneração

Define quanto você vai ganhar por ceder os direitos do jogo. Pode ser uma remuneração única fixa, um valor pré-determinado por unidade vendida, ou, a mais comum, royalties.

Royalties são uma porcentagem do valor de venda do jogo. O valor de venda não é o preço final do jogo: ele pode ser bem menor, dependendo de quem está comprando.

Se o comprador for o consumidor, o valor de venda é de fato o preço final. Mas quando a editora vende para um lojista, o valor de venda é cerca de metade disso. Se o comprador for um distribuidor, responsável por colocar jogos em vários lojistas do país, pode chegar a apenas um terço do preço final.

Já vi royalties variando entre 4% e 10%. Mas se você atuar como estúdio de game design, fornecendo não só o design do jogo, mas também as ilustrações, design gráfico e manual, essa porcentagem pode subir bastante.

Na prática, isso significa que se seu jogo tem preço final de 200 reais, e é vendido ao distribuidor por 60, um royalty de 5% lhe dará 3 reais por jogo. Uma tiragem média (para padrões brasileiros) de mil cópias, se esgotar toda, lhe dará 3 mil reais.

Observe também a periodicidade do pagamento. Na maioria dos contratos, é trimestral, quadrimestral ou semestral. Ou seja: a cada x meses, a editora verifica quantas unidades foram vendidas e por quanto, e lhe paga. Uma boa editora terá uma planilha contabilizando as vendas para compartilhar esse número com você.

4. Abrangência

Na maioria dos contratos, a abrangência é mundial: você cede os direitos do seu jogo no mundo inteiro. Mas muitas vezes, você pode negociar uma abrangência apenas nacional, podendo vender os direitos do jogo fora do Brasil para outras editoras.

5. Sublicenciamento

Se seu contrato for mundial, é porque provavelmente a editora tem interesse em sublicenciar seus jogos para os mercados europeu, americano e asiático, muito maiores do que o nosso. Isso significa que sua editora cede a editoras estrangeiras o direito de vender o jogo em outros países, em troca de uma remuneração.

Essa remuneração costuma ser dividida entre autor e editora numa proporção especificada no contrato. Em geral, o autor fica com entre 20% e 50%.

A editora estrangeira costuma pagar menos de 1 dólar por unidade de jogo produzida para o seu país. Você fica, portanto, com algo entre 20% e 50% desse valor.

6. Multa

Nem todo contrato possui cláusula estipulando multa caso a editora não consiga produzir o jogo no período da licença, mas ela é importante.

Caso não exista, a editora pode desistir de produzir seu jogo sem nenhum ônus, e você fica preso a ela por todo o tempo em que cedeu os direitos do jogo.

Em alguns casos não há multa, mas o contrato estabelece a devolução automática dos direitos do jogo ao autor em caso de não publicação até uma determinada data.

A maioria de nós faz jogo por hobby e não espera conseguir um dia se sustentar disso. Mesmo assim, analisar o contrato é importante. Contestar as cláusulas que não te agradam e sugerir outras que você julgue necessárias é esperado, e você não seria considerado um autor difícil por isso.

Um bom contrato é a garantia de uma compensação justa pelo seu trabalho e uma salvaguarda para quando as coisas dão errado. E elas podem dar errado, tanto no Brasil como lá fora.

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