Guia de Essen para Designers 12 de novembro de 2022

Esse ano fui pela primeira vez à Spiel Messe Essen para conversar com editoras e fazer pitch dos meus jogos. Embora uma única visita à feira não configure exatamente um grande currículo para escrever um guia, eu estudei muito sobre o assunto antes de ir, e acho que consegui planejar minha ida de forma que (quase) tudo deu certo.

Então compartilho aqui com vocês meus erros e acertos neste longo e detalhado artigo. Perdoem-me de antemão pela verborragia.

Antes de tudo: vale a pena ir a uma feira internacional?

O investimento é pesado, sim. Com a alta do dólar e dos combustíveis, só a passagem vai sair o dobro do que custaria 4 anos atrás. Eu tive muitas dúvidas se compensaria gastar essa grana, mas não me arrependi.

Motivos pra ir:

  • Feiras internacionais são os momentos em que as editoras estão mais abertas a receber autores. Durante o resto do ano, a prioridade delas é colocar na rua e vender os jogos já assinados. Seu email de pitch vira ruído. Nas feiras, quase todas dedicam espaço e funcionários para ouvir novas ideias.
  • Conhecer as editoras pessoalmente ajuda a colocar você no radar delas. Mesmo que uma editora não assine seu jogo, se a conversa fluiu, se o pitch foi interessante, o próximo jogo que você enviar pode ganhar um pouco mais de atenção.

Mas ainda que haja bons motivos para ir, eu não recomendo para todos. Mesmo num ambiente mais propício, assinar jogo não é fácil. Por isso, invista apenas se você se enquadrar nas seguintes condições:

  1. Você tem mais de um jogo para mostrar. Eu levei 4 originais e 2 publicados, para tentar sublicenciar. Quanto mais jogos, maior a chance de algum deles agradar. Com apenas um, você está colocando todos os seus ovos na mesma cesta.
  2. Todos os jogos que você vai levar estão bem testados, recebem feedback positivo maciço e possuem um diferencial evidente. Sua concorrência lá será grande, um jogo que apenas funciona bem, ou pior, é só uma boa ideia, não tem chances.
  3. Você sabe inglês o suficiente para explicar e defender seus jogos diante das editoras.

Por que Essen?

A Spiel é a maior feira de jogos do mundo, mas seria também a melhor para fazer pitch? Existem outras menores e mais intimistas. ou voltadas exclusivamente para negócios. 

Essen é barulhenta, imensa e às vezes intransitável. 

Mas também está no calendário de todas as editoras europeias como parte da “temporada de caça” de novos jogos. Muitas delas reservam algumas semanas no pós-feira para analisar os pitchs recebidos e separar os que vão querer publicar. Essen é o momento do ano em que mais editoras estão abertas a novas ideias.

Considerei outras 3 feiras, todas com presença maciça de editoras, mas que no final, pareceram menos interessantes que Essen:

  • Gen Con: É a Spiel americana, igualmente enorme e caótica. Li depoimentos de gente que disse que fazer pitch lá é muito difícil, pois a feira é muito cheia e barulhenta. Vendo imagens da entrada, que lembram aquelas cenas aterrorizantes de abertura dos portões na Black Friday, confirmaram essa impressão. Das grandes feiras, é a que menos tenho vontade de conhecer.
  • Origins: Também nos EUA, mas mais sossegada. Preferida em relação à Gen Con por todos os autores que escreveram sobre suas experiências fazendo pitchs em feiras. Por ser mais calma, há mais tempo e tranquilidade para conversar com as editoras. Gostaria de ir um dia ir, mas acho que meus jogos estão mais próximos do perfil europeu, então acabei também passando.
  • Nuremberg: Uma feira B2B em pleno inverno alemão. Não há venda de jogos para o público, é exclusiva para negócios. A feira é de brinquedos, os jogos são apenas uma parte dela – mas uma grande parte, afinal estamos na Alemanha. Apesar de ser mais tranquila que Essen, são poucas as editoras pequenas que comparecem a Nuremberg. A feira é dominada pelas grandes, e nelas a concorrência de jogos é bem maior e o tempo de resposta é mais dilatado.

Preparação

Eu recomendo que, para cada jogo que você pretende levar para a feira, você prepare o seguinte material de suporte:

  1. Livro de regras em inglês, detalhado e ilustrado
  2. Vídeo em inglês de no máximo (mesmo) 5 minutos dando uma ideia geral do jogo (sem entrar em detalhes de regras). Não é um bicho de sete cabeças, se a luz e o áudio estiverem passáveis, coloca o jogo na mesa e resume ele brevemente enquanto filma.
  3. Várias sellsheets, uma para cada editora em que você for demonstrar o jogo, e mais algumas extras. Dá um Google se você não sabe o que são sellsheets. Nem toda editora gosta, mas algumas pedem, e não dá pra saber de antemão qual é qual.
  4. Tantos protótipos montados quanto você conseguir. Se uma editora gostar do seu jogo, você quer dar a ela uma cópia, pois fica mais fácil de ela lembrar e jogar seu jogo no pós-feira. Para jogos pequenos, só de cartas ou com poucos componentes, faça vários (levei 10 de um joguinho meu de 55 cartas). Mesmo para jogos maiores, é bom ter ao menos 2 (eu levei um de cada dos meus jogos maiores e gostaria de ter levado mais).
  5. O jogo montado numa plataforma online, seja TTS ou Tabletopia – porque quando seus protótipos acabarem, e essa vai ser a forma mais prática de colocar as editoras interessadas para jogar seu jogo.

Escolhendo editoras

Toda reunião com editoras em Essen precisa ser previamente agendada com semanas ou mesmo meses de antecedência. Se você aparecer no stand durante a feira achando que vai conseguir conversar com alguém, vai descobrir que a maior parte dos responsáveis por falar com autores já está com a agenda lotada, e provavelmente não vão conseguir te atender.

Você pode começar a marcar reuniões já em julho, quando a Gen Con acabar. Até início de setembro, dificilmente alguma editora vai estar lotada. A partir de meados de setembro, você já corre esse risco.

Mas para quais editoras mandar email? Antes de tudo, pegue o catálogo da feira passada (disponível no site da Spiel) e veja quais editoras estão entre os exibidores. Se uma editora não estiver lá, é improvável que esteja na feira no ano seguinte, então não compensa entrar em contato.

Agora é preciso pesquisar para ver quais delas têm perfil compatível com seu jogo. Não adianta fazer pitch de um euro pesado para uma editora de jogos infantis ou festivos. 

Entre no site de cada editora para entender como é o seu catálogo e qual a sua filosofia. Muitas delas têm, inclusive, uma sessão dedicada a autores, em que explicam o que estão procurando. Se seu jogo não se encaixa nesse perfil, melhor não tentar marcar reunião: mesmo que você consiga, a recusa vai ser certa. Você acabou de perder um tempo que poderia estar sendo usado com uma editora mais adequada.

A feira tem centenas de exibidores. Eu sugiro pesquisar apenas os que estão nos pavilhões 1, 2 e 3, e nos que têm stands um pouco maiores nos pavilhões 4 e 5. Dessa forma, você evita exibidores que estão vendendo acessórios (pavilhão 6), alimentação e atividades promocionais (galeria) e autores independentes que compraram um stand na feira (a maioria dos stands pequenos nos pavilhões 4 e 5).

Como você vai falar com muitas e muitas editoras, faça uma planilha em que cada linha é uma editora com a qual você pretende entrar em contato. Anote na planilha se já enviou email para aquela editora (e a data), e se ela responder, qual foi a resposta. Sem isso, você vai acabar se perdendo.

Sinalize na planilha as 20 a 30 editoras que para você são prioritárias e comece os envios por essas. Não mande email para todas de uma vez, você corre o risco de estar com a agenda lotada se uma editora que você adora responder atrasado.

Eu pré-selecionei 122 editoras, mas mandei email para apenas 59. Minha agenda encheu antes de mandar para as demais.

Dessas 59, 30 aceitaram reuniões, 12 negaram e 17 não responderam. Não é, portanto, tão difícil assim conseguir marcar uma reunião por email. Mas tenho algumas dicas também para dar sobre esse processo.

Envio de emails para editoras

Antes de tudo, para qual email mandar? Dependendo de onde o email chega, sua taxa de sucesso vai variar.

  • Formulários de submissão de protótipo: evite-os como a praga. Esses formulários são ótimos para envio de pitchs remotos avulsos, mas não para marcar reunião. Pode ser que sejam vistos e respondidos em algum momento, mas não necessariamente antes da feira. Não consegui agendar nenhuma reunião usando-os.
  • Emails de contato genéricos: são bem melhores do que formulários. Se houver as 2 opções, não hesite em usar o email de contato. Eles não são ideais no entanto, pois se a empresa for grande, quem os acessa raramente vai ser um editor. Seu email vai ser repassado para outra pessoa, e as chances de resposta diminuem.
  • Email profissional de um editor: é muito melhor entrar em contato direto com as pessoas que provavelmente vão conversar com você na feira. Se não há essa opção no site, tente perguntar para algum conhecido da indústria ou mesmo nas redes sociais da editora.

Seu email deve ser bem objetivo. Deixe claro logo de cara qual é o diferencial (aquilo que torna seu jogo único em relação aos demais, seja um tema, uma mecânica, um componente), dê os fatos básicos (tempo de jogo, número de jogadores, categoria), coloque o link para o vídeo e anexe a sellsheet. 

Se achar que pode contribuir, explique também porque você acha que seu jogo é adequado para aquela editora. Mas se você está usando a mesma explicação para todas as editoras, então é só encheção de linguiça, melhor nem usar.

Não esqueça de anotar na sua planilha para quem você já enviou mensagem. Estou enfatizando porque, pode acreditar, vai te ajudar horrores a se organizar.

Agendamento de reuniões

Se a editora responder querendo marcar uma reunião, ela provavelmente vai sugerir um horário ou enviar um link de um calendário online pedindo que você selecione um entre os horários disponíveis.

Dependendo da editora, as reuniões podem ser de 15 min, 30 min ou 1 hora.

Para cada reunião agendada, marque também num calendário próprio. Se tudo der certo, vão ser muitas, assim você não corre o risco de marcar 2 no mesmo horário.

Tenho alguns conselhos importantes para o agendamento:

  • Não marque reunião antes de 10h30. Você não vai conseguir entrar na feira antes das 10h, e dependendo de onde for a reunião, vai precisar andar um bocado até chegar.
  • Mas, se precisar, pode marcar reunião no último horário sim (19h entre quinta e sábado, 18h no domingo). Ninguém vai te enxotar do centro de convenções, se precisar ficar mais 20 min lá, não vai dar problema. Teve dia em que fiquei quase uma hora a mais, e ainda tinha gente quando saí.
  • Deixe intervalos de 30 min entre cada reunião, mesmo as mais curtas. As distâncias  na Spiel podem ser longas e engarrafadas. Não ache que consegue atravessar a feira em 5 minutos. Além disso, pode ser que sua reunião anterior demore. Não arrisque causar uma má impressão chegando atrasado na próxima.

Quando você fechar o calendário, crie e imprima 2 documentos para ter em mãos durante a feira:

  • O calendário, com uma folha para cada dia. Para cada reunião, o número do stand, o nome da pessoa com quem você vai falar e os jogos que pretende mostrar. Ajuda a refrescar sua memória nos minutos anteriores.
  • O mapa da feira, com uma folha para cada pavilhão, com os stands em que você vai ter reunião marcados e nomeados. Dessa forma, você não se perde (a feira é imensa).

Ingressos

Há 2 tipos de ingresso para a Spiel: normal e business. O business custa quase o dobro, e dá direito a entrada numa área reservada, onde você pode fazer reuniões com mais calma. Talvez faça sentido para editoras que não tem stands, mas não para autores. 

A menos que você tenha marcado com muitas editoras que não possuem stands próprios, é melhor economizar essa grana. E é bem provável que editoras sem stand tenham comprado o ingresso business, ou seja, você terá acesso quando se reunir com elas. Eu comprei e me arrependi.

O que levar para a feira

Um dia de reuniões em Essen é super desgastante, por isso, antes de mais nada, não esqueça de alguns companheiros importantes:

  • Uma mala de mão com rodinhas para colocar os protótipos. Não queira passar 8 horas circulando com uma mochila pesada, ou pior, uma sacola. Não esqueça de colocar na mala, além dos protótipos, suas sellsheets.
  • Uma garrafa d’água. Você vai falar bastante, vai precisar.
  • Um pacote de biscoito. Não deixe que a fome ou a sede sejam obstáculos para o sucesso das suas reuniões.
  • O mapa da feira e o calendário impressos.

As reuniões

Ao chegar num stand, pergunte no balcão pelo nome da pessoa com quem você entrou em contato. Provavelmente vão te direcionar a uma porta que leva a uma salinha apertada com 2 cadeiras e uma mesa. Ali, isolado da balbúrdia da feira, vai ser seu pitch.

Contrariando o estereótipo alemão, os editores geralmente são gentis, falantes e calorosos. Mas alguns podem ser secos e mal-humorados, especialmente no final do dia. Entenda que o ritmo da feira para eles é mais puxado que para você. Eu agendei 30 reuniões, mas tinha editor com mais de 60. Por isso, tente ser simpático o tempo todo, até porque você está sendo avaliado tanto quanto seu jogo. Se considerarem que você é uma pessoa difícil de lidar, seu jogo não vai adiante, por melhor que seja.

Se estiver mostrando mais de um jogo, comece por aquele que você acha que tem mais chances.

Entregue sua sellsheet para o editor e faça um setup rápido do jogo na mesa. Se o jogo for grande, não precisa fazer o setup completo, só o mínimo para poder explicá-lo em linhas gerais.

Comece dizendo a que público se destina, qual o número de jogadores e qual o tempo de jogo. Em seguida, diga em poucas palavras qual é o seu diferencial. Nesses minutos iniciais, o editor já está formulando uma opinião sobre o jogo, e se for negativa, vai ser difícil de mudar depois.

Só depois explique as regras, mas sem entrar em detalhes sobre exceções, formas de desempate, escalonamento para mais jogadores, poderes das cartas e outras informações pouco relevantes para o entendimento do jogo.

Sugira jogar alguns turnos. Se o editor ficou curioso com o pitch, provavelmente vai topar. Se prepare previamente para oferecer a ele a melhor experiência de jogo possível. Pré-ordene tudo que for randômico (baralho, tiles, eventos, tokens) para que ele conheça a melhor face do jogo. Por exemplo: manipule os elementos para que alguma situação particularmente interessante que não acontece em todas as partidas apareça nos turnos que o editor vai jogar.

Depois de alguns minutos de jogo, ele vai confirmar ou não o interesse inicial. 

Se confirmar, vai pedir um protótipo. Avalie se você quer dar protótipo para essa editora, ou se tem perspectivas melhores com outras. Se quiser deixar com ele, você pode pedir para deixar somente ao final da feira, para poder usá-lo nos próximos pitches. Se não quiser deixar, você pode sugerir enviar um PnP ou marcar uma sessão para jogar online.

Não esqueça de perguntar qual é a previsão para a editora dar um retorno, dizendo se quer de fato fechar ou não. Isso vai te permitir modular sua expectativa.

Se não confirmar o interesse, o editor vai te dar um feedback. Pode ser uma questão de perfil – o jogo é muito leve ou muito pesado para a editora, por exemplo – ou ele pode ter identificado algo no gameplay que não gostou. Em qualquer caso, aceite o feedback com educação. Você pode contra-argumentar se achar que ele não percebeu alguma coisa importante, mas sem insistência. Sua chance de convencê-lo a ficar com o jogo nesse momento é próxima de zero, então não vale a pena bancar o chato.

Agradeça e aproveite para perguntar se pode lhe enviar seus futuros projetos. Dificilmente ele vai recusar, mesmo que por educação. No mínimo, você abriu uma porta na editora muito melhor do que um formulário de contato.

Assim que sair da salinha, antes de ir para a próxima reunião, anote qual foi o resultado. Se algum jogo despertou interesse, qual é o próximo passo, e qual o tempo para retorno? Se nenhum comoveu coraçãozinho gelado da editora, quais foram os feedbacks?

As rejeições serão mais frequentes do que os interesses, então não deixe um feedback negativo te abalar. Aconteceu comigo de uma editora dizer que um jogo tinha decisões demais, e a editora com quem fui falar logo em seguida achou que tinha poucas decisões. Depende do perfil de jogo que cada uma está buscando e da subjetividade da pessoa com quem você falou.

O retorno

Ao chegar em casa, seu périplo não vai ter acabado ainda. Dê uma semana de descanso para as editoras, e depois mande emails individuais agradecendo pelo tempo, desejando que tenham tido uma boa feira, e para os que tiveram interesse, se oferecendo para tirar dúvidas de regras ou tentando marcar uma partida online.

Esses emails de follow-up mantêm você vivo na memória das editoras, mesmo aquelas que não curtiram seus jogos. A porta de entrada que você abriu é valiosa e merece ser cultivada.

Em seguida, começa o longo e torturante processo de aguardar os resultados dos testes e avaliações internas das editoras que curtiram seus jogos. Assim como o seu, vários outros despertaram interesse, mas só alguns poucos vão ser selecionados. A maioria dos retornos que você vai receber será de negativas.

Mas aí um dia você abre seu email pela manhã e encontra a mensagem de uma editora. Escaldado de tantas rejeições, você clica com baixa expectativa, mas já no primeiro parágrafo, frases mágicas como “we have good news”, “we loved your game” se atiram nos seus olhos úmidos. 

Uma mensagem dessas, só uma, e todo o seu esforço valeu a pena.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *